22.4.14

Bissau: um pseudo-Estado manchado de sangue

A Guiné-Bissau "transitou de Estado frágil para Estado falhado, para hoje se assumir, na prática, como um não-Estado, ou seja um Estado meramente virtual, uma vez que os reais atributos de Estado, tal como os define a ciência política, não se lhe aplicam".
Esta é mais uma citação que faço do roteiro académico "Da Guiné-Portugal à Guiné-Bissau", de Francisco Henriques da Silva e Mário Beja Santos; livro que serve para completar e desenvolver muito do que até hoje sabíamos da vida guineense, desde a chegada dos europeus à região até aos anos mais recentes.
Depois da execuções mandadas efectuar por Amílcar Cabral durante os anos da luta armada e das ordenadas por seu irmão Luís após a proclamação da independência, surgiram as mandatadas por Nino Vieira, num proto-Estado, Estado falhado, pseudo-Estado que tem vindo a ser assinalado, tudo ele, por um vasto rasto de sangue.
O terror e o despotismo sempre marcaram a luta pelo poder na Guiné-Bissau, passando pelo assassínio de Amílcar Cabral, de Nino Vieira, de Paulo Correia, de Viriato Pã, de Ansumane Mané, de Veríssimo Correia Seabra, de Tagme Na Wae, de Hélder Proença, de Baciro Dabó e de tantos, tantos outros.
"A partir de 14 de Novembro de 1980, o peso dos militares na vida política passou a ser dominante". Cito uma vez mais o roteiro que o mês passado foi editado no Porto; e que vem repleto de fichas de leitura, para quem desejar acompanhar ao pormenor toda a história da Guiné-Bissau, desde os tempos em que ainda não o era até ao período em que está a correr o risco de o deixar de ser.
Tanto assim é, o peso dos militares, que ouvimos na praça pública o actual Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, António Indjai, ameaçar de morte o então primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior (Cadogo Júnior), da primeira vez que o prendeu, ainda antes do golpe de 2012, pelo qual conseguiu impedir que ele fosse eleito Presidente da República.
Esperamos agora, esperamos sinceramente, que o Presidente que vier a ser eleito no mês de Maio, à segunda volta, consiga afastar de vez António Indjai da chefia das Forças Armadas, pois que ele é uma das muitas calamidades que ao longo dos últimos 40 anos se abateram sobre os guineenses.
No entanto, há que deixar bem claro que não é o simples afastamento de um ou dois oficiais generais que resolve o problema da constante interferência dos homens armados nos assuntos da Guiné-Bissau.
Enquanto não houver uma profunda reforma dos sectores da Defesa e da Segurança, o Estado de Direito não existe. Enquanto não saírem de campo muitos generais, coronéis e agentes secretos aos mesmos afectos, o Estado simplesmente não existe. É uma mera ficção.
Vejamos se o próximo Presidente a tomar posse e se o Governo a ser constituído sob a égide do PAIGC conseguirá ou não corrigir alguns dos muitos males que por aquelas bandas têm sido detectados desde os tempos da luta armada. Jorge Heitor, 22 de Abril de 2014

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